Doutorando em Literaturas Africanas explica conotações preconceituosas oriundas do racismo estrutural da língua
O mês de Novembro é considerado o mês da Consciência Negra, entretanto ainda é preciso falar sobre racismo estrutural. Foram mais de 300 anos de escravatura na história do Brasil e que acarretaram uma forte carga cultural no imaginário social presente até hoje. A própria língua portuguesa, importada e imposta pelos colonizadores brancos, ainda carrega expressões que tiveram sua origem no período escravocrata ou associam o povo negro a conotações pejorativas. São termos que ainda podem passar despercebidos no dia a dia, mas revelam muito sobre a história de um país marcado pela escravidão.
“As pessoas usam certos termos, convivem com atitudes racistas e nem percebem. Em um país em que mais de 50% da população é negra, isso é muito grave”, aponta Paulo Sergio Gonçalves, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Estácio de Sá e doutorando em Literaturas Africanas. O professor explica que não basta entender que existem expressões racistas, mas que é preciso combatê-las para conseguir quebrar a lógica do racismo estrutural na sociedade brasileira.
Gonçalves argumenta que o primeiro passo é disseminar o conhecimento de forma ampla em todos os espaços, desde o ensino nas escolas, nas faculdades, nas pautas da mídia, nas políticas públicas, entre outros. O Neabi, idealizado por ele, é um exemplo de iniciativa presente na academia, que trabalha pela formação de consciência dos discentes e, também , da comunidade, por meio de leituras, debates e ações. “O projeto foca na evolução intelectual dos alunos por intermédio do estudo de literaturas escritas por pessoas negras. São estudiosos com alicerce teórico responsável e com uma trajetória de luta e combate ao racismo”.
O racismo estrutural presente na língua portuguesa também é um dos temas debatidos nos encontros promovidos no grupo de acadêmicos. Termos como “Meia tigela”, “a dar com pau” e “fazer nas coxas” são algumas das expressões que carregam o contexto histórico de toda a opressão sofrida pelo povo negro, antes e depois da abolição da escravatura. Para melhor compreensão sobre o assunto, Gonçalves cita sete colocações de cunho racista e explica suas origens.
1 – Mulata: A palavra “mulata” faz referência à animal “mula”, que seria o filhote do cruzamento de um cavalo com uma jumenta ou de um jumento com uma égua. No Brasil Colônia, o adjetivo “mulata” era usado para se referir às mulheres negras, ou oriundas de um relacionamento mestiço. Gonçalves explica que o termo não é mais aceitável e é considerado pejorativo, o ideal seria apenas falar “mulheres negras”, quando necessário fazer referência à cor ou etnia.
2 – Denegrir: “O português é a língua do colonizador, que é cheia de termos racistas”, explica o professor. Ele aponta que o significado do verbo “denegrir” é utilizado como sinônimo de “difamar”, porém a etimologia da palavra significa “tornar negro”. A expressão faz uma relação entre a negritude e algo maldoso ou negativo.
3 – Fazer nas coxas: Essa é mais uma expressão herdada do Brasil Colônia. O professor explica que há divergências do surgimento desse termo, acredita-se que ele vem da técnica utilizada pelos escravizados para fazer telhas. Por serem artesanais e seguirem os formatos dos corpos, as peças não se encaixavam bem umas nas outras, sendo consideradas mal feitas.
4 – Doméstica: A palavra “doméstica” se refere às mulheres negras que trabalhavam dentro da casa das famílias brancas e eram consideradas domesticadas, já que os negros eram vistos como pessoas selvagens. “Eu cresci ouvindo as minhas irmãs sendo chamadas de domésticas. Este era um termo muito popularizado no Brasil dos anos 80”, relembra o docente.
5 – Meia tigela: A expressão “meia tigela” também é uma herança do período escravocrata. Naquela época, os negros que não conseguiam cumprir as metas de trabalho, recebiam apenas metade da porção de comida e eram apelidados de “meia tigela”. O termo se refere a algo sem valor, medíocre.
6 – A dar com pau : Essa expressão refere-se aos navios negreiros, onde os negros que não obedeciam recebiam uma alimentação dosada por uma colher de pau. O termo significa “pouco” ou que alguma pessoa não é digna de consideração.
7 – Inhaca: “Inhaca” é o nome de uma ilha de Moçambique, país da África Oriental. Desde a época colonial o termo é usado para falar de algo com cheiro forte, desagradável. A expressão reforça preconceitos ao associar a ilha, onde a população é majoritariamente negra, a algo desagradável e nojento.