Marcado pelas tradicionais feijoadas, o dia 23 de abril é de grande importância para o Catolicismo, Umbanda e Candomblé
O dia 23 de abril, feriado no estado do Rio, traz uma série de festividades. Para os católicos, a data celebra São Jorge, e para os umbandistas, o orixá Ogum. Marcada pelas tradicionais feijoadas e eventos que carregam multidões, os festejos evidenciam o sincretismo religioso por trás das comemorações.
Conhecido como santo guerreiro no catolicismo, São Jorge é considerado padroeiro dos cavaleiros, soldados, escoteiros, esgrimistas e arqueiros. Já Ogum é um orixá que representa a coragem, a guerra, a tecnologia, o trabalho árduo, o ferro, a caça e a agricultura.
Além disso, a data também é celebrada no Candomblé devido, especialmente, ao sincretismo religioso. Isso porque na Bahia, por exemplo, a figura do cavaleiro, que “mata o dragão” e caça está ligada ao orixá Oxóssi. No entanto, no Rio, Oxóssi é celebrado pelas religiões de matriz africana em 20 de janeiro, mesmo dia em que os católicos celebram São Sebastião.
Entenda a história por trás de cada celebração
Catolicismo
Na Igreja Católica, São Jorge, cujo nome de origem significa “agricultor”, nasceu na Capadócia, por volta do ano 280, em uma família cristã. Segundo dados da Canção Nova, ele se mudou para a Palestina, onde se alistou no exército de Diocleciano. Em 303, quando o imperador criou um documento a favor da perseguição dos cristãos, Jorge doou todos os seus bens aos pobres e, diante de Diocleciano, rasgou o papel e professou a sua fé em Cristo. Por isso, sofreu terríveis torturas e, no fim, foi decapitado.
A lenda mais famosa em torno de Jorge, é a do dragão e a jovem, salva pelo santo. Narra-se que na cidade de Selém, Líbia, havia um grande pântano, onde vivia um terrível dragão. Para o manipular, os habitantes ofereciam dois cabritos, por dia e, vez por outra, um cabrito e um jovem tirado à sorte. Certa vez, a sorte coube à filha do rei. Enquanto a princesa se dirigia ao pântano, Jorge passou por ali e matou o dragão com a sua espada.
No local de sua sepultura, em Lida, perto de Tel-Aviv, foi construída uma basílica, em que as ruínas ainda são visíveis. Entre os documentos mais antigos, que atestam a existência de São Jorge, uma epígrafe grega, do ano 368 a.c.
Para os cristões, São Jorge representa a luta contra o mal. A data é celebrada em vários lugares com missas e procissões, seguidas de almoços e eventos com as tradicionais feijoadas.
Umbanda
Ogum é um dos orixás mais queridos da Umbanda. Ele é considerado o soldado, guardião, o patrono dos exércitos pois representa a luta e a vitória. Sua personalidade é dura e justiceira, aquele que vem para executar a Lei. E, por conta do sincretismo religioso, representa São Jorge na Igreja Católica.
Na mitologia Iorubá, Ogum tem um temperamento colérico, com muita força e energia de guerra. Ele domina o segredo do ferro e é responsável pela criação das armas (facas, espadas) e instrumentos agrícolas (enxada, foice, pá, arado, rastelo, etc.) Ensina agricultura aos homens e é poderoso guardião das estradas e vencedor de demandas espirituais.
Ao DIA, o babalawô Ivanir dos Santos, professor e orientador no Programa de Pós-graduação em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou que a associação entre Ogum e São Jorge deve-se também à perseguição contra as religiões de matriz africana.
“Ogum é um patrono justamente da ferramenta, tanto da caça, como da guerra, se apreciou também a um guerreiro e popularmente se associa a São Jorge. E isso tem haver muito com a perseguição que se tinha às religiões afro-brasileiras”, disse.
Ainda segundo Santos, São Jorge se tornou um santo popular com ajuda dos umbandistas.
“Se observar, o que faz São Jorge um santo tão popular é o que os umbandistas fazem, tanto que quem criou o feriado no Rio foi um deputado umbandista. Ele que apresentou a lei. São Jorge é um santo muito referenciado, mas assim, fazem a festa e oferecem a feijoada, que é da umbanda, e isso se espalhou popularmente. Ogum também é um orixá muito querido também no samba”, complementou.
Por fim, ele reforçou que Ogum é um marco civilizatório, homem da ciência, que está ligado ao trabalho e a proteção.
“Ogum é tanto consagrado pelos policiais como pelos malandros, porque é para te proteger da bala inimiga, e a bala é feita de metal, tem a ver com ferreiro”, finalizou.
Candomblé
No Candomblé, o orixá Oxóssi é Deus caçador, senhor da floresta e de todos os seres que nela habitam, orixá da fartura e da riqueza e por isso se assemelha a São Jorge.
O babalorixá Pai Celinho de Obaluaê explicou a relação de São Jorge com as religiões de matriz africana e reforçou que toda a questão da festividade está ligada ao sincretismo regional.
“No Rio, as festas de Ogum geralmente são realizadas nos festejos de São Jorge, haja vista que há uma ligação. O orixá Ogum é guerreiro, da metalurgia, da tecnologia, e por isso assimilaram ele a São Jorge. Mas tudo isso começou com um sincretismo religioso que aconteceu há anos e as pessoas preservaram as datas festivas. Mas isso é regional, já que na Bahia, por exemplo, são os povos de Oxóssi”, reforçou.
Pai Celinho disse também que nas festas de Ogum é onde as pessoas recebem suas proteções e blindagens, pois ele é um orixá blindador. “Ogum é muito semelhante ao orixá das guerras e São Jorge é um guerreiro. E a feijoada é a comida típica nas duas festas”, contou.
Por fim, o babalorixá relatou que a relação entre o santo guerreiro e o orixá vem da época da escravidão, onde as pessoas escravizadas era proíbidas de exercer suas crenças.
“Ogum é comparado a São Jorge por causa do sincretismo, que começou no momento em que as pessoas escravizadas eram proibidas de fazer seus cultos e eram obrigadas a praticar o catolicismo e por isso elas ‘enganavam’ os senhores, como se tivessem cultuando a São Jorge, mas na verdade era Ogum, assim como vários outros santos”, finalizou.
A cor de Ogum na umbanda é o vermelho e branco, enquanto no candomblé é o azul escuro. Como oferendas, podem ser oferecidos inhame e feijão preto ao orixá.
O sincretismo com São Jorge ocorre principalmente no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Fonte: O Dia