Sintetizado a partir de substância produzida no sangue, o peptídeo Ric4 reduz níveis de açúcar no organismo.
Uma pequena proteína cuja origem são as células do corpo humano pode ter um grande papel no controle da diabete. Em pesquisa com participação do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, cientistas descobriram que o peptídeo Ric4, sintetizado a partir de uma proteína produzida pelas células sanguíneas, aumentou a sensibilidade à insulina e reduziu a glicemia, ou seja, o nível de açúcar no sangue. Os estudos sobre a estrutura e as propriedades do Ric4, realizados em animais, geraram uma patente que, no futuro, poderá dar origem a medicamentos para tratar a diabete, e que sirvam de alternativa à terapia com insulina.
Os resultados do trabalho são mostrados em artigo publicado no site da revista científica Pharmaceuticals. A diabete tipo 2 acontece quando o corpo desenvolve resistência à insulina, responsável por processar o açúcar no organismo e levá-lo às células, o que aumenta a concentração de açúcar na corrente sanguínea.
“Há alguns anos, nosso laboratório desenvolveu um teste em modelo animal que encontrou alterações em um grupo de peptídeos intracelulares (InPeps), que são pequenas proteínas produzidas no interior das células, normalmente a partir de proteínas maiores”, explica professor Emer Ferro, do ICB, coordenador do estudo.
Os pesquisadores sintetizaram quimicamente em laboratório quatro peptídeos, que foram denominados Ric1, c2 e Ric3 e Ric4. “O Ric 1 e o Ric2 foram identificados no músculo gastrocnêmio (batata da perna) e são derivados da proteína troponina I; o Ric3 foi encontrado no tecido adiposo epididimal (na região do púbis), produzido a partir da proteína de ligação acil-CoA, e o Ric4 é derivado da subunidade alfa da hemoglobina, proteína existente no sangue”, descreve o professor. “Nosso objetivo foi identificar se algum desses peptídeos poderia reproduzir farmacologicamente a maior sensibilidade à insulina e à glicemia reduzida observada nos animais.”
Captação de Glicose
“Caso isso acontecesse, poderíamos identificar um novo peptídeo que poderia ser usado no tratamento de pacientes diagnosticados com pré-diabete ou diabete tipo 2, que possuem elevados níveis de glicose e não respondem à insulina”, relata Ferro.
A pesquisa verificou que dois derivados do peptídeo Ric4 (Ric4-2 e Ric4-15) possuem ação hipoglicemiante, isto é, induzem a captação de glicose e reduzem a glicemia em animais após administração oral. Em resumo, peptídeos como o Ric4 podem exercer ação similar à insulina e podem ser úteis no tratamento de pacientes com diabete tipo 2.”
De acordo com Ferro, apesar da significância biológica e farmacológica, as possíveis aplicações clínicas do Ric4 ainda merecem mais investigações. “O estudo indica que pacientes com pré-diabete ou diabete tipo 2, que têm hiperglicemia resistente à insulina, poderiam ser tratados com Ric4 ou com seus análogos, Ric4-2 e Ric4-15. Porém, ensaios adicionais precisam ser realizados para avaliar a potência do peptídeo em reduzir a glicemia de portadores de diabete tipo 2”, destaca Ferro. “Nosso trabalho reforça a perspectiva que os peptídeos podem manter sua atividade farmacológica após administração oral, ‘quebrando’ o dogma que dentro do corpo eles são imediatamente degradados por enzimas digestivas.”
Além da publicação do artigo, um pedido de patente do peptídeo Ric4 foi depositado junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) pela Agência USP de Inovação (Auspin) e pela INOVA, Agência de Inovação da Unicamp. “Embora o pedido tenha sido depositado em maio de 2018, nenhuma empresa até o momento se interessou em licenciar a patente do Ric4 para desenvolvimento de um fármaco alternativo à insulina para o tratamento da diabete tipo 2”, conclui o professor.
O trabalho teve a participação dos pesquisadores Renée Silva, Ricardo Llanos, Rosangela Eichler e do professor Emer Ferro, do Departamento de Farmacologia do ICB, do pesquisador Thiago Oliveira e do professor William Festuccia, do Departamento de Fisiologia do ICB, e do professor Fabio Gozzo, do Instituto de Química da Unicamp.
Que haja interesse empresarial nesse sentido, pois quem ganha é a população.
Redação: Eliana Saraiva, com informações do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.