Condição foi oficializada na lista da OMS como um fenômeno ligado ao trabalho; mudanças devem ocorrer em termos jurídicos
A ‘Síndrome de Burnout’ foi oficializada, em 1º de janeiro de 2022, como uma condição de saúde mental relacionada ao trabalho conforme a 11ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) da Organização Mundial da Saúde. Considerada há mais tempo como um esgotamento associado ao ambiente laboral, agora ela se enquadra na categoria de doenças ocupacionais, uma mudança que vai demandar mais responsabilidade das empresas.
O quadro psíquico é “resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi administrado com sucesso”, diz a definição. As características envolvem sensação de esgotamento ou exaustão de energia, aumento da distância mental do trabalho ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao trabalho, e uma sensação de ineficácia e falta de realização. Tecnicamente, é considerada uma síndrome, e não uma doença, porque as causas são variadas e nem sempre ocorre da mesma forma para todas as pessoas.
A OMS destaca que a síndrome “refere-se especificamente a fenômenos no contexto ocupacional e não deve ser aplicada para descrever experiências em outras áreas da vida”. Uma vez que 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros sofrem de burnout, segundo a International Stress Management Association, especialistas vislumbram alterações importantes nas relações de trabalho e na forma como as companhias se posicionam no mercado.
A psicóloga Patrícia Ansarah, co-fundadora do Instituto Internacional em Segurança Psicológica explica que as empresas passarão a responder por isso com indicadores para acionistas, investidores, para a matriz, assim como hoje respondem por indicadores de acidente de trabalho. Com as alterações em Recursos Humanos, as empresas também responderão por ausência por conta de burnout causado pelo ambiente de trabalho. Tais fatores podem impactar a reputação organizacional.
Outra mudança recai na percepção do indivíduo, pois ele terá consciência de que deixou esse ambiente interferir na saúde até a exaustão e que essa responsabilidade também é da empresa. “As empresas não preparadas vão ter problemas sérios”, afirma Veruska Galvão, também fundadora do instituto.
Em princípio, um desses problemas seria com a Justiça, pois trabalhadores teriam ainda mais respaldo para buscar reparação de danos.
Aspectos legais
Afastamentos por questões psicoemocionais são uma discussão antiga na justiça do trabalho e o cuidado da empresa com o funcionário é uma responsabilidade básica garantida pela Constituição. O advogado trabalhista Cristóvão Macedo Soares, sócio do Bosisio Advogados, diz que, objetivamente, a CID-11 traz uma nova conduta para pessoas diagnosticadas com a síndrome.
“Se o afastamento for superior a 15 dias, trata-se de auxílio acidentário e a pessoa fica afastada pelo INSS. No contrato de emprego, após o afastamento previdenciário, no retorno o funcionário tem garantia de emprego de 12 meses a partir da alta”, explica. Em qualquer situação, o empregado deve comunicar ao gestor ou departamento competente sobre a condição, fornecendo atestado médico.
A psicóloga Veruska Galvão alerta que qualidade de vida no trabalho não é apenas dispor de sala de jogos e bem-estar momentâneo. “Se estivesse lidando com crianças, funcionaria, mas estamos lidando com adultos e essas alternativas são paliativas, não resolutivas”, diz. Ela acrescenta a importância da segurança psicológica: um ambiente acolhedor em que as pessoas podem se expressar e serem elas mesmas sem medo de retaliações.
Eliana Saraiva, com informações do Instituto Internacional em Segurança Psicológica